Instabilidade chega e deve persistir até metade da próxima semana
Feminicídios
Comissão federal debate violência contra mulheres em Bagé

Marcella Trindade/AscomMR - Reunião foi promovida pela Comissão Externa do Feminicídio da Câmara dos Deputados
A Câmara de Vereadores de Bagé sediou, na tarde de sexta-feira, 26/9, uma reunião da Comissão Externa do Feminicídio da Câmara dos Deputados, coordenada pela deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), para debater os desafios da rede de proteção diante da escalada de casos de feminicídios – tentados e consumados – no município. Em 2024, foram três feminicídios registrados e, em 2025, já foram quatro tentativas de feminicídio registradas.
Para a Deputada, o encontro foi fundamental para construir caminhos coletivos: “O feminicídio é a face mais brutal de uma sociedade machista. Precisamos de políticas de prevenção, acolhimento digno e respostas rápidas do Estado”, disse.
Ela considerou como preocupante ainda a ausência na audiência pública de representantes das forças de segurança, notadamente, a Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar e a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam).
Casos
Melchionna lembrou casos recentes no estado para reforçar a urgência da pauta, e citou exemplos de crimes brutais, como o esquartejamento de Basilia, em Porto Alegre; o assassinato de Juliana, a marteladas em Canoas; e o caso de Eduarda, jovem de Alegrete, morta pelo companheiro com 127 facadas. “Não são apenas estatísticas. Foram mães, filhas, mulheres assassinadas. Histórias interrompidas por uma cultura machista e patriarcal”, frisou.
Ela também homenageou mulheres assassinadas em Bagé em 2024: Vitória Ribeiro Gomes, morta por asfixia; Chayane Machado da Rosa; e Juliene Alessandra Fernandes Marcial, mulher trans, morta por asfixia e desmembrada em 2 de setembro. “Bagé, a rainha da fronteira, infelizmente tem dados escabrosos. Enquanto Porto Alegre, com mais de 1,5 milhão de habitantes, registrou oito feminicídios em 2024, Bagé, com pouco mais de 127 mil moradores, teve três mulheres assassinadas”, apontou. E recordou o caso de Ana Carolina, morta em 2023, em que o acusado segue preso aguardando julgamento. Segundo a deputada, a prisão só ocorreu graças à mobilização de amigas e movimentos de mulheres, que denunciaram sinais de um assassinato em curso.
Por fim, a parlamentar defendeu a ampliação de políticas públicas para garantir a vida das mulheres. “Nós queríamos estar discutindo a abertura de novas delegacias, de políticas específicas em cada cidade, da Secretaria Especial para as Mulheres”.
Omissão
O prefeito Luiz Fernando Manardi (PT) denunciou a omissão do governo do estado e criticou o discurso sobre a redução da violência. Para ele, não há motivo de comemoração. “Eu me choco quando vejo o governo do estado comemorar a diminuição dos índices de violência e colocar uma vírgula para dizer ‘menos violência contra as mulheres e feminicídios’. Se há menos feminicídios, ainda há o que contar. O feminicídio é o indicador mais emblemático do que há de mais covarde numa sociedade. Não existe ‘menos’ no combate à violência”, afirmou.
Ele lembrou que Bagé foi pioneira na criação de uma casa de acolhimento para mulheres e destacou políticas recentes, como auxílio-aluguel temporário para vítimas em situação de risco, além de programas de emancipação econômica.
Mais estrutura e celeridade
A advogada Lélia Quadros, que representa o Fórum Municipal das Mulheres, apresentou os indicadores criminais da Secretaria de Segurança Pública, que revelam altos índices de feminicídios no estado, mesmo com redução nos últimos anos. Ela defendeu grupos reflexivos para agressores, maior efetividade das medidas protetivas, estruturação da Delegacia da Mulher, que não funciona 24 horas, e a criação de uma vara especializada. Também criticou a morosidade do Judiciário. “Uma mulher vítima de violência que espera dois ou três anos para a primeira audiência acaba desistindo do processo”, alertou.
Retrocessos
A vereadora Beatriz Souza (PSB) criticou o atendimento da Deam, que tem encaminhado vítimas para a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), obrigando-as a permanecer junto aos agressores. “Isso é um retrocesso sem tamanho”, criticou.
Beatriz também destacou casos de violência política de gênero. “Quando deputadas e vereadoras são desrespeitadas no plenário, isso reforça no agressor a sensação de que existe uma fraqueza nas mulheres. Mas a presença de vocês aqui mostra que não estamos sozinhas”, disse.
Educação
A vice-reitora da Unipampa, Francéli Brizola, ressaltou a centralidade da educação na prevenção da violência. “Me sinto contemplada nas políticas de resposta, mas acredito que a nossa principal contribuição é na prevenção. O papel da educação é orientar, conscientizar e transformar”, afirmou.
Ela destacou a criação da primeira Pró-Reitoria de Ações Afirmativas (Procad), defendeu políticas de apoio a mães universitárias e alertou para casos de assédio e violência política de gênero nas instituições.
Entraves nos julgamentos
O promotor de Justiça Thomaz da Rosa, disse que, embora em 2025 não tenha havido homicídio consumado, as tentativas de feminicídio preocupam. “Cheguei no mês passado e já participei de dois expedientes de feminicídios tentados. Em ambos, as prisões foram decretadas de imediato e permanecem até hoje”, relatou.
Ele destacou a dificuldade de levar ao Tribunal do Júri o histórico de violência dos agressores. “Semana passada fiz um júri em que o juiz proibiu qualquer menção às ocorrências policiais. Isso foi chancelado pelo Tribunal de Justiça. Há projetos de lei em andamento no Congresso que reforçam essa proibição, mas como esconder dos jurados um histórico de violência de um agressor?”, questionou.
Ele citou casos recentes em Bagé: uma tentativa de homicídio em que a vítima foi atacada com uma chave de fenda no pescoço e outra em que foi jogada de um carro em movimento. “Nenhuma delas tinha medida protetiva em vigor. Quando analisamos os registros, percebemos reincidência em relação ao mesmo homem, com denúncias de mulheres diferentes, em cidades distintas. Como não considerar isso? Estamos respondendo aos jurados com uma verdade parcial dos fatos”, alertou.
Defendendo vítimas e acusados
O defensor público Marcos Vinícius Becker destacou o desafio de sua função: atuar na defesa de acusados no Tribunal do Júri e, ao mesmo tempo, representar vítimas de violência doméstica na 2ª Vara Criminal. “Ambas as atribuições têm especial importância. Jamais posso, a pretexto de fazer a defesa plena, re-vitimizar uma mulher que sofreu um homicídio tentado ou consumado”, explicou.
Para ele, a rede de atendimento em Bagé tem funcionado relativamente bem, com delegacias especializadas e medidas protetivas expedidas de forma ágil. No entanto, ressaltou que apenas o endurecimento das penas não resolverá o problema. “Podemos ter as melhores legislações, mas enquanto os homens tiverem essa mentalidade ultrapassada de que as mulheres são submissas, continuaremos vendo casos. Quando chegamos ao tribunal do júri, todos já perdemos enquanto sociedade”, afirmou.
Ele defendeu o investimento em prevenção e conscientização.
Avanços em Bagé
A secretária municipal de Políticas para as Mulheres, Patrícia Alves, afirmou que a rede de apoio às vítimas de violência em Bagé tem avançado, mas ainda enfrenta sérios entraves. Um dos principais, segundo ela, é a mudança no fluxo de atendimento entre a Deam e a DPPA, com a implantação da Sala das Margaridas. “Hoje os registros estão sendo feitos na DPPA, mas as mulheres ficam aguardando em uma mesma sala com outras pessoas. Isso expõe e coloca em risco as vítimas”, alertou.
A secretária destacou a sobrecarga enfrentada pela Patrulha Maria da Penha, que em abril acompanhava quase 400 mulheres com medidas protetivas, mas conta apenas com uma viatura e duas policiais.
Por outro lado, citou avanços como o funcionamento 24 horas do Centro de Referência para Mulheres, a manutenção da Casa Abrigo, a criação da Sala Lilás na UPA – espaço reservado para acolher vítimas de agressão física –, e a aprovação do aluguel social como forma de garantir que as mulheres rompam o ciclo da violência.
Outro ponto levantado foi a necessidade de celeridade nos processos cíveis, como pedidos de pensão e guarda dos filhos, que muitas vezes empurram as mulheres de volta para a convivência com os agressores. “Conseguimos medidas protetivas rapidamente, mas os processos de alimentos e partilha demoram meses. Se houvesse um fluxo reservado na Defensoria Pública, com atendimento periódico às vítimas, isso evitaria muitos retornos forçados ao lar violento”, avaliou.
Relatório e pacto nacional
Relatora da comissão, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) destacou que o desafio das autoridades e da sociedade é “trabalhar pela proteção da vida”, atuando desde a ameaça até a violência letal. “O principal legado das famílias destruídas deve ser a urgência do que vamos fazer agora. Precisamos chegar antes da violência letal e assumir a responsabilidade de garantir segurança e acolhimento”, afirmou.
Em novembro, segundo ela, a comissão apresentará um relatório com análises e recomendações, abordando temas como fluxo de acolhimento, capacitação de equipes, atendimento a mulheres negras, indígenas, idosas e com deficiência, além da proteção às crianças órfãs do feminicídio. A parlamentar defendeu a implementação de programas de saúde mental, acompanhamento psicológico e a regulamentação da lei que prevê pensão para órfãos.
Ela lembrou que o Rio Grande do Sul foi o estado com mais casos de mulheres vítimas de feminicídio que já tinham registro de ocorrência, em 2024. “Mesmo assim, é a denúncia e o ingresso na rede que podem proteger a vida. O problema é quando o poder público falha em garantir o básico”, destacou.
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