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Boate Kiss

Defesas pedem a anulação do júri

Divulgação - Menezes argumenta que houe violação de regras extremamente sérias

Por Gabriela Barcellos

Jornal A Cidade


O processo criminal que trata do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria em 2013, entra em uma nova fase nos próximos dias - possivelmente até a partir de amanhã. É que termina o recesso do Judiciário e o Tribunal de Justiça deve intimar as defesas dos quatro réus a apresentar suas razões de apelação, em busca de derrubar a sentença condenatória dos quatro, recebida no último dia 10 de dezembro.

Naquela sexta-feira, após dez dias de júri - o mais longo da história do Judiciário gaúcho - os sócios da boate, Elissandro 'Kiko' Spohr e Mauro Hoffmann, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o assistente de palco da banda, Luciano Bonilha Leão, foram condenados por homicídio simples praticado com dolo eventual - quando o agente assume o risco de matar. Spohr recebeu uma sentença de 22 anos e seis meses de prisão, Mauro de 19 anos e seis meses de prisão, e Marcelo e Luciano de 18 anos de prisão.

Os pedidos centrais das quatro defesas vão no sentido de anular o júri, com base em situações vividas nos dez dias de plenário, que ensejam a realização de um novo julgamento.

"O recurso é na linha de anulação do julgamento em decorrência de diversas nulidades não só antes de começar o júri, mas durante o plenário", explica Mário Cipriani, que ao lado do sócio Bruno Seligman de Menezes, defende Mauro Hoffmann. "Entendemos que houve violação de regras extremamente sérias de proteção aos direitos dos réus", completa Seligman

Ele explica alguns dos pontos elencados na apelação: referência ao silêncio dos réus durante os debates; inovação de tese por parte do Ministério Público; além de um registro de nulidade feito quanto aos quesitos. "Entendemos que ele foi formulado de forma deficiente. Deveria ter sido mais claro na explicação do dolo eventual", explica. Sobre a inovação de teses, explica: "Quando o Ministério Público acusa uma pessoa ele precisa definir de forma muito clara de que forma essa pessoa teria concorrido para o crime. E na denúncia está muito claro isso, dizendo que o Mauro colocou a espuma, que o Mauro autorizou que funcionasse, que o Mauro colocou as barras. Todas eram condutas positivas. Ações. E aí, num determinado momento o MP diz que seria uma cegueira deliberada". Ele explica que se trata de uma teoria que está ganhando corpo no mundo jurídico que diz que quem teria a obrigação de ver e faz questão de não ver que crimes estão praticando em sua organização. "Só que a cegueira deliberada é uma teoria que se aplica a condutas omissivas. Então o Ministério Público mudou o foco da acusação de uma prática comissiva para uma prática omissiva. Esta é a segunda nulidade que nós pontuamos". "Com relação ao Mauro, a decisão manifestamente contrária a prova dos autos. Este é outro ponto", acrescenta Cipriani. "Estamos confiantes no recurso de apelação", comenta.

A linha dos advogados também é destaca por Jean Severo, que defende Luciano Bonilha Leão. "Eu tenho convicção que o tribunal vai anular esse júri principalmente pela fala do assistente de acusação, que acabou falando no silencio dos réus. Isso anula júri. Tem várias nulidades. Várias. Mas a principal delas é isso: falar no silêncio dos acusados. E o Tribunal vai reconhecer isso e vai anular esse júri. O próprio juiz reconheceu isso e falou para ele". "E cito um exemplo: o caso Bernardo. É a mesma situação, e é a mesma Câmara", diz ele fazendo referência a anulação do júri de Leandro Boldrini, acusado pela morte do filho, Bernardo. A 1ª Câmara Criminal anulou o júri, no mesmo dia 10 de dezembro, porque reconheceu que um dos promotores fez referência a recusa de Leandro a responder algumas das perguntas do MP, o que pode ter sido visto em prejuízo do réu.

Ele acredita que o Tribunal de Justiça gaúcho dará celeridade ao processo e que haverá julgamento das apelações rapidamente. "Do jeito que está andando esse processo no Tribunal, eu acredito que esse julgamento [da apelação] deve ocorrer no final de janeiro ou início de fevereiro. Aí o TJ já vai dizer se anula o júri ou não. Se baixa a pena ou não. Eu acredito que esse júri será anulado".

Pena artificial

Outro ponto destacado pelos advogados é a pena aplicada. Para eles, se trata de "uma criação artificial de pena". "Nós que somos mais antigos no júri, especialmente até 2008, vimos muito isso. Naquela época havia um benefício que se chamava protesto por novo júri. Todo o réu que fosse condenado a penas superiores a 20 anos, bastava que ele dissesse 'eu quero ser julgado de novo', que ele era submetido a novo júri. Só que a gente sabe que um júri é uma coisa trabalhosa, demorada. Então o que os juízes faziam? Davam penas de 19 anos e 11 meses. Ou seja, é a pena mais alta que poderia ser aplicada sem dar direito ao réu de novo júri. Neste caso acontece o contrário: se a prisão aqui só se justifica a partir de 15 anos, é razoável que os juízes comecem trabalhem em penas cada vez mais altas para justificar as prisões, porque aos olhos da opinião pública, o julgamento é mais eficaz quando produz seus resultados de forma imediata. E o próprio juiz disse isso na sentença", diz Bruno.

Este ponto também é alvo de recurso pelas defesas, caso o pedido de anulação não tenha êxito.

Em busca da soltura dos réus

Paralelamente às apelações há o esforço das defesas para soltura dos réus. Apesar da concessão de um habeas corpus pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, os quatro seguem presos. Isso acontece em razão de uma decisão liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, datada de 16 de dezembro, determinando que, mesmo em caso de concessão de habeas corpus, Mauro, Kiko, Luciano e Marcelo não fossem colocados em liberdade.

O pedido foi feito pelo Ministério Público, já quando a 1ª Câmara julgava o mérito do habeas corpus, concedido liminarmente pelo desembargador Manuel Martinez Lucas no dia 10 de dezembro e que possibilitou a eles o direito de recorrer em liberdade apesar da terem a prisão decretada pelo juiz Orlando Faccini Neto ao final do júri. Os desembargadores, inclusive, já haviam formado maioria pela manutenção do HC.

A decisão de Fux deixou o mundo jurídico surpreso e, em grande parte indignado. Para especialistas, a decisão do Ministro é ilegal porque a suspensão de liminar não pode ser usada para reverter Habeas Corpus e porque violou a presunção de inocência.

Mesmo com o atropelo de Fux, a 1ª Câmara Criminal concluiu o julgamento, no dia 17 de dezembro, optando por manter o habeas corpus - o que implicaria na imediata soltura dos réus. No entanto, Faccini Neto não expediu os alvarás de soltura, usando como justificativa a decisão de Fux de sustar os efeitos do HC.

As defesas imediatamente se mobilizaram em recursos contra a decisão de Fux. "Consideramos a ordem do ministro Fux ilegal, por ter cassado uma decisão ainda não proferida", disse Mário Cipriani, que junto com o sócio, Bruno Seligman de Menezes, defende Mauro Hoffmann. Cipriani explica que foram protocolados agravos das decisões de Fux e ainda de Dias Toffoli, que negou seguimento a habeas corpus impetrado no final de semana. Segundo ele, a equipe trabalha em "todos os recursos que estão disponíveis".

As defesas dos demais réus - comandadas por Jader Marques, defensor de Spohr, Jean Severo, defensor de Luciano, e Tatiana Borsa, advogada de Marcelo de Jesus - também protocolaram agravos regimentais.

No entanto, com o recesso do Judiciário, nenhum dos recursos foi julgamento até o momento.

Direitos Humanos

A decisão de Fux levou tanto a defesa de Mauro Hoffmann quanto de Kiko Spohr a recorrer também à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, através de uma representação qe denuncia violações dos direitos de seus clientes.

Bruno Seligman explica a ação. "Apresentamos pedido de medidas cautelares urgentes à Comissão, para que a comissão recomende ao Brasil adotar condutas em conformidades com os direitos humanos. É isso que estamos pedindo, a partir de três condutas", conta.

A primeira delas, de acordo com o advogado, é a violação à presunção de inocência. "Muito embora o Código de Processo Penal admita essa prisão, ela vai de encontro ao que a Constituição Federal assegura, que é a presunção da inocência", explica. O segundo é a violação do devido processo legal, presente "à medida em que o Ministério Público 'salta' as instâncias e vai direto ao Supremo Tribunal Federal para neutralizar os efeitos de um habeas corpus concedido por um desembargador competente".

E por fim, a violação da garantia do habeas corpus. "O STF, por meio de um expediente de natureza cível administrativa - que é a suspensão de liminar - não só suspende os efeitos da liminar, o que por si já seria esdruxulo, mas avança e de forma antecipada impede que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quem seria efetivamente competente para a análise, conceda a ordem de habeas corpus em favor dos quatro pacientes", esclarece.

De acordo com os advogados, não há prazo para um posicionamento da Comissão, mas esta já iniciou a análise.

"Antes era a tragédia da Kis, agora é a injustiça da Kiss"

Desde a realização do júri, centenas de manifestações, não somente de operadores do Direito, mas também de 'leigos', vem tomando as redes sociais no sentido de apoiar os quatro réus e criticar o posicionamento do Ministério Público.

Cipriani explica que esse movimento tem levado a manifestações públicas de associações de advogados criminalistas, associações de estudos jurídicos e entidades ligadas ao Direito. "Há também uma série de habeas corpus impetrados por brasileiros que não conhecemos, todos no sentido de pedir a soltura. É um olhar social sobre um resultado que não representa o que aconteceu. A criação artificial do dolo eventual foi para excluir de responsabilidade os órgãos públicos", diz ele.

"O ministério público foi muito atingido nesses nove anos e se utilizou do seu poder e privilégios. Dói ver uma instituição que eu até então admirava agir desse modo, suprimindo instâncias, demostrando todo seu ódio contra quatro pessoas que foram escolhidas como bois de piranha", pontua. 

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